Pela primeira vez está sendo exposta ao público suíço uma seleção das fotografias da grande fotógrafa brasileira Maureen Bissilia, na Fundação Brasilea, por meio de um trabalho conjunto com o Instituto Moreira Salles.- IMS, conhecido internacionalmente.
O IMS possui a maior coleção particular de fotografias no Brasil, englobando especialmente o acervo Marc Ferrez. Além disso, desde dezembro de 2003 administra o arquivo completo da fotógrafa Maureen Bissiliat, com mais de 16.000 negativos.
Nascida em 1931 em Englefield Green, Surrey, Inglaterra, Maureen Bissiliat foi morar no Brasil depois de terminar seus estudos em Paris e Nova Iorque. De 1964 até 1972 trabalhou como repórter fotógrafa na Editora Abril. Sua obra ultrapassa os limites da documentação fotográfica. Bissiliat retrata o Brasil e sua gente em uma expressiva dramaturgia de luz e sombras. Consegue penetrar na alma do tema, revelando-a.
A atual exposição no edifício da Fundação Brasilea apresenta uma série de fotos inspiradas em uma dos mais importantes romances da literatura brasileira moderna: „Grande Sertão, Veredas“, publicado em 1956, de João Guimarães Rosa (*1908, †1967), escritor de fama mundial. Esse romance épico nacional é a narrativa de um grande proprietário de terras, o qual descreve a um hóspede a sua vida passada no sertão do Nordeste brasileiro. É a vida de um fora-da-lei que percorre a região como caçador e como caçado, lutando, roubando e matando, sempre consciente da existência de misteriosas forças assustadoras que o cercam sem que ele as consiga identificar. Conclue seu relato constatando que tais forças – o diabo – não existem; o que existe é apenas o homem que carrega a tentação dentro de si mesmo.
Guimarães Rosa utiliza uma linguagem que espelha o espírito do habitante sertanejo. Assim penetra na paisagem árida que dá forma ao homem, ao animal e à natureza e que os faz sofrer.
Enquanto Guimarães Rosa retrata a natureza agreste do sertão e seu povo por meio de palavras, Bissiliat os descreve e traduz por meio da imagem. As fotografias de Maureen Bissiliat dão uma alma à região sertaneja, a qual à primeira vista parecia não possuir alma. As suas fotografias nos possibilitam sentir presença, calor, sêca, umidade, luz e até mesmo cor, apesar de serem em preto e branco. Fazem-nos sentir até mesmo o leve sopro de uma aragem. A obra apresenta-se ao mesmo tempo como fotografia pictórica e como poesia e prosa literárias.
A Fotografia de abertura desta exposição é acompanhada pela seguinte sentença:
„Eu sou donde eu nasci. Sou de outros lugares.“
Este dito se refere a um dos protagonistas inventados, um senhor circunspecto, de olhar rígido, situado entre a ficção e a realidade. É justamente aí que Bissiliat se volta à João Guimarães Rosa: imagens onde a ficção e a realidade se misturam, não podendo mais ser claramente distinguidas uma da outra. As fotografias não são retratos banais do que se vê; elas transpassam ao mundo narrativo, literário, o mudo da ficção.
Nos anos 80, Maureen Bisilliat se dedicou à arte do video. As imagens nesses videos contém a mesma pureza, mensagem direta e poesia como a sua obra fotográfica. O documentário „Xingu Terra“, uma co-produção de Bissiliat e Lucio Kodato, está sendo exibido no andar inferior da Fundação Brasilea durante toda a duração da exposição. O filme foi rodado na aldeia Mehinako no Alto Xingu. Trata-se de uma apresentação completa dos usos e costumes da tribu, bem como os preparativos e a celebração da festa dos „Yamaricumã“. Nessa cerimônia é rememorada uma lenda maternal, segundo a qual as mulheres passam um dia vivendo e guerreando como homens. Orgulhosas, arrogantes e invencíveis, essas mulheres são a sombra de uma tribu lutadora em extinção. A duração do filme é de 83 minutos.
A exposição também apresenta algumas publicações valiosas que fazem referência ao tema da mostra. Um livro ilustrado, com uma ampla retrospectiva do trabalho de Bissiliat, lançado no Brasil em 2009, pode ser visto e comprado no recinto da exposição.